Silvio Tendler não faz cinema: ele escava tumbas de utopias para mostrar que elas ainda respiram. Nascido em 1950, o documentarista fluminense carrega nas lentes a obsessão de quem sabe que a história oficial é uma mentira contada pelos vencedores. Seus filmes — como “Jango” (1984) e “O Veneno Está na Mesa” (2011) — são atos de resistência que misturam rigor histórico com a urgência do presente. Tendler não se contenta em arquivar o passado; ele o devolve ao público como espelho, faca e semente.
Em “Jango”, o cineasta resgata os 1.000 dias de João Goulart na presidência, interrompidos pelo golpe de 1964. O filme não é uma aula de história: é um tribunal. Tendler usa imagens de arquivo como provas e depoimentos de exilados como testemunhas. A câmera lenta sobre fotos de Jango no exílio não é efeito estético — é luto. Já em “O Veneno Está na Mesa”, o diretor troca os palácios pela roça, denunciando o agronegócio e os agrotóxicos. Aqui, a câmera tremida nas mãos de agricultores não é amadorismo: é a própria voz do Brasil rural, abafada pela mídia corporativa.
O que podemos aprender com Tendler? Primeiro, que documentário é arma política. Em tempos de fake news, seu método de cruzar arquivos com entrevistas atuais (como em “Utopia e Barbárie”, 2009) é manual de sobrevivência democrática. Segundo, que a estética serve ao conteúdo: ele não tem medo de usar música dramática ou closes prolongados para gerar empatia — sem cair no sensacionalismo. Por fim, que o cinema é ponte entre gerações. Seus filmes são exibidos em escolas e sindicatos, porque Tendler sabe que a tela grande só importa se estiver a serviço da rua.
Para quem quer seguir seu legado, a lição é clara: documentar é escolher um lado. Não há neutralidade possível quando o assunto é memória. Pegue sua câmera, estude os arquivos, mas nunca apague a subjetividade — porque, como ensina Tendler, é nela que mora a verdade.