Quem pode filmar a dor? Ética e autorrepresentação no audiovisual

Em 2004, o documentário “Estamira” retratou a vida de uma mulher com transtornos mentais que trabalhava em um lixão no Rio de Janeiro. Apesar do impacto, o filme gerou debates: até que ponto a câmera explorou sua dor? Enquanto isso, em “Bixa Travesty” (2018), Linn da Quebrada controla sua própria narrativa — a câmera é aliada, não intrusa. Esses dois extremos revelam a linha tênue entre documentar e explorar.

Por que a autorrepresentação é revolucionária?

  • Evita estereótipos: Narrativas externas frequentemente reduzem pessoas a “vítimas” ou “exóticas”.
  • Empodera: Quando comunidades contam suas histórias, controlam símbolos e significados (ex: filmes indígenas como “A Última Floresta”).
  • Promove justiça: O acesso aos meios de produção é reparação histórica.

Casos polêmicos e lições aprendidas:

  • “Estamira”: A diretora Marcos Prado foi criticada por não garantir apoio pós-filmagem à personagem. O debate questiona: qual o dever do documentarista após o cut?
  • “Ex-Pajé” (2017): O diretor Luiz Bolognesi foi acusado de distorcer a história do pajé Perpera Suruí. A comunidade indígena exigiu (e ganhou) direito de resposta.

Como filmar sem colonizar:

  1. Pergunte antes de apontar a câmera: Consentimento não é só assinar papel — é processo contínuo.
  2. Parcerias, não extração: Colabore com coletivos locais. Exemplo: o projeto “Nós, Madalenas” treina mulheres para filmar suas próprias histórias.
  3. Devolutiva é obrigação: Mostre o material editado às pessoas filmadas e aceite críticas.

A ética não é um manual: é escuta. Se sua câmera chega para “dar voz”, pare. Vozes já existem — seu papel é amplificá-las, nunca emprestá-las.

Dica Prática:

Assista “O Dia que Durou 21 Anos” (2013) e “Martírio” (2016). Note como o primeiro fala sobre os oprimidos, enquanto o segundo fala com eles. Qual abordagem ressoa mais com você?

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