A estética da fome: como Glauber Rocha virou arma contra o apagamento cultural

Em 1965, Glauber Rocha lançou o manifesto “Uma Estética da Fome”, no qual propunha que a miséria e a violência vividas pelos povos latino-americanos fossem expressas no cinema não como objetos de pena, mas como formas legítimas de linguagem e resistência. Para Rocha, a fome não era apenas uma condição física, mas uma metáfora da opressão cultural e econômica imposta pelo colonialismo.

A estética da fome propunha um cinema que não escondesse a pobreza com técnicas sofisticadas, mas que a evidenciasse como forma de denúncia e de afirmação cultural. Rocha argumentava que “a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência”, entendida aqui como uma resposta legítima à opressão e ao silenciamento dos povos colonizados.

Essa abordagem influenciou profundamente o Cinema Novo, movimento que buscava retratar a realidade brasileira de forma crítica e engajada. Filmes como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) e “Terra em Transe” (1967) exemplificam essa estética, utilizando narrativas não lineares, personagens complexos e cenários áridos para representar a luta do povo contra as estruturas de poder.

A estética da fome também dialoga com o pensamento de Frantz Fanon, que via na violência uma forma de oprimidos se libertarem do domínio colonial. Ambos defendem que a expressão da dor e da revolta dos marginalizados é essencial para a construção de uma identidade cultural autêntica e para a resistência contra o apagamento imposto pelo colonialismo e pelo capitalismo.

Hoje, a estética da fome continua relevante, inspirando cineastas a utilizar o cinema como ferramenta de denúncia e de afirmação cultural. Ao transformar a carência em linguagem estética, Glauber Rocha não apenas revolucionou o cinema brasileiro, mas também ofereceu uma poderosa arma contra o apagamento cultural.

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